Este texto não é uma resenha nem uma crítica muito amadora.
Não mesmo. É apenas um comentário de como e um pouco do porquê eu gostei tanto
do livro Chiquinho de Baltasar Lopes.
O livro retrata a vida da personagem Chiquinho, nascido em
Cabo Verde na ilha de São Nicolau. E nos
conta, por intermédio dele mesmo, o Chiquinho, a sua trajetória: da infância,
dos seus anos de estudos em São Vicente, o seu retorno a casa e um pouco de seu futuro. Essas são três
fases da vida da personagem que consta no livro e também como a obra é
dividida. Porém, Chiquinho não é egoísta e não nos conta apenas sobre ele, o
livro nos serve para entendermos um pouco da identidade do país e nos informar
sobre os problemas de miséria daquele povo.
Na verdade, eu vi bastante traços da literatura brasileira.
A literatura neo realista, que se aproxima da denúncia social e do
regionalismo. E a partir disso eu a coloco ao lado daquele grupo de Graciliano
Ramos, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego... Enfim, essa vertente que tanto
me atrai e que apesar de nos contar histórias na sua maioria tristes, conseguem
colocar e nos fazer sentir a leveza de suas personagens.
E em Chiquinho acho que sobra leveza. A começar pelo narrador-personagem.
A infância povoada de figuras que durante toda a história, mesmo quando ele
está longe, cita, e lembra, e associa o seu atual momento com essa velha época
de histórias contadas por Nhô Chic’Ana, Totone Menga-Menga ou os conselhos de Titio Joca.
O discurso, a linguagem em si, também é responsável pela leveza e nos faz sentir na pele a pobreza que só a falta de água pode trazer.
Os inúmeros significados para o mar, o mar que pode esconder
ou trazer um futuro diferente para todos os amigos de Chiquinho, que diferente
dele, não têm uma vida um pouco mais confortável. Como a personagem-narrador
fala de seu avô que não conheceu, mas que porém é muito respeitado dentro da
casa. A questão do seu pai, que imigra para os Estados Unidos e que apesar de
ser em parte seus dólares o responsável
por aliviar a família da miséria, torna-se um mistério e uma figura longínqua que
só se tem notícias pelas cartas, e que a uma certa altura Chiquinho o nomeia de
“Antonio Manuel, em 103 South Second Street”. Estes são alguns elementos que
caracterizam a vida da personagem, o espaço e a identidade do povo.
Tive que ler a obra para uma disciplina, por acaso literaturas africanas, que está me fazendo conhecer um
pouco deste continente para além das leituras de Mia Couto e Agualusa. Durante
a aula o professor comparou o livro de Baltasar Lopes com Dom Casmurro em
importância dentro de Cabo Verde. E agora até posso dizer que apesar do neo
realismo, eu também vejo nessa obra a entrega total da personagem em narrar o
que realmente lhe aconteceu, principalmente quando digo sobre os sentimentos e
impressões. Exemplo disso é quando ele volta para São Nicolau, após estudar no liceu de São Vicente, e se sente um estranho face aquela antiga vida.
Não tem mais vontade de viver ali, sente saudades de seu amigo Andrezinho, o
Erudito, a saudade do namorinho com Nuninha e etc. É aquela sensação terrível de
mudança, que às vezes negamos. E de fato, o local não era mais o mesmo: seus
colegas de escola estavam sem futuro, alcoólatras, trabalhadores rurais e
sofrendo as mais drásticas consequências da miséria. Tudo isso e mais o
distanciamento entre eles incomoda Chiquinho
arrebatadoramente.
Na verdade, essa obra é tida como um romance de iniciação,
pois apesar de eu tê-la traçada em linhas muito gerais e pessoais, é o romance
mais importante de Cabo Verde, sendo a primeira grande obra do país, publicada
em 1947. E realmente, é de se tomar
consciência sobre um lugar tão distante e que enfrenta problemas tão árduos ao
mesmo tempo que revela um característico carisma.
E apesar de ser de um lugar que tão pouco ouvimos falar, é uma obra originalmente em português.
Acho que deveria ter lido antes este livro, e também penso que ele não poderia
ter sido escrito em outra língua.
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