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domingo, 7 de abril de 2013

Cabo Verde e Chiquinho


Este texto não é uma resenha nem uma crítica muito amadora. Não mesmo. É apenas um comentário de como e um pouco do porquê eu gostei tanto do livro Chiquinho de Baltasar Lopes.

O livro retrata a vida da personagem Chiquinho, nascido em Cabo Verde na ilha de São Nicolau.  E nos conta, por intermédio dele mesmo, o Chiquinho, a sua trajetória: da infância, dos seus anos de estudos em São Vicente, o seu retorno a casa e um pouco de seu futuro. Essas são três fases da vida da personagem que consta no livro e também como a obra é dividida. Porém, Chiquinho não é egoísta e não nos conta apenas sobre ele, o livro nos serve para entendermos um pouco da identidade do país e nos informar sobre os problemas de miséria daquele povo.

Na verdade, eu vi bastante traços da literatura brasileira. A literatura neo realista, que se aproxima da denúncia social e do regionalismo. E a partir disso eu a coloco ao lado daquele grupo de Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego... Enfim, essa vertente que tanto me atrai e que apesar de nos contar histórias na sua maioria tristes, conseguem colocar e nos fazer sentir a leveza de suas personagens.

E em Chiquinho acho que sobra leveza. A começar pelo narrador-personagem. A infância povoada de figuras que durante toda a história, mesmo quando ele está longe, cita, e lembra, e associa o seu atual momento com essa velha época de histórias contadas por Nhô Chic’Ana, Totone Menga-Menga ou os conselhos de Titio Joca.
O discurso, a linguagem em si, também é responsável pela leveza e nos faz sentir na pele a pobreza que só a falta de água pode trazer.

Os inúmeros significados para o mar, o mar que pode esconder ou trazer um futuro diferente para todos os amigos de Chiquinho, que diferente dele, não têm uma vida um pouco mais confortável. Como a personagem-narrador fala de seu avô que não conheceu, mas que porém é muito respeitado dentro da casa. A questão do seu pai, que imigra para os Estados Unidos e que apesar de ser  em parte seus dólares o responsável por aliviar a família da miséria, torna-se um mistério e uma figura longínqua que só se tem notícias pelas cartas, e que a uma certa altura Chiquinho o nomeia de “Antonio Manuel, em 103 South Second Street”. Estes são alguns elementos que caracterizam a vida da personagem, o espaço e a identidade do povo.

Tive que ler a obra para uma disciplina, por acaso literaturas africanas, que está me fazendo conhecer  um pouco deste continente para além das leituras de Mia Couto e Agualusa. Durante a aula o professor comparou o livro de Baltasar Lopes com Dom Casmurro em importância dentro de Cabo Verde. E agora até posso dizer que apesar do neo realismo, eu também vejo nessa obra a entrega total da personagem em narrar o que realmente lhe aconteceu, principalmente quando digo sobre os sentimentos e impressões. Exemplo disso é quando ele volta para São Nicolau, após estudar no liceu de São Vicente, e se sente um estranho face aquela antiga vida. Não tem mais vontade de viver ali, sente saudades de seu amigo Andrezinho, o Erudito, a saudade do namorinho com Nuninha e etc. É aquela sensação terrível de mudança, que às vezes negamos. E de fato, o local não era mais o mesmo: seus colegas de escola estavam sem futuro, alcoólatras, trabalhadores rurais e sofrendo as mais drásticas consequências da miséria. Tudo isso e mais o distanciamento  entre eles  incomoda Chiquinho arrebatadoramente.

Na verdade, essa obra é tida como um romance de iniciação, pois apesar de eu tê-la traçada em linhas muito gerais e pessoais, é o romance mais importante de Cabo Verde, sendo a primeira grande obra do país, publicada em 1947.  E realmente, é de se tomar consciência sobre um lugar tão distante e que enfrenta problemas tão árduos ao mesmo tempo que revela um característico carisma.

E apesar de ser de um lugar que tão pouco ouvimos falar, é uma obra originalmente em português. Acho que deveria ter lido antes este livro, e também penso que ele não poderia ter sido escrito em outra língua.