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domingo, 21 de outubro de 2012

Para começar


Começar pode ser mais complicado do que terminar, mas creio que seja bem mais prazeroso. Começar nem sempre é do zero, às vezes é inovar, ou reinventar.

E se é para falar em reinventar não me vem à cabeça outros nomes a não ser Gal Costa e Caetano Veloso. A estreia dos dois, em 1967, já foi reinvenção, uma vez que se a Bossa Nova era genuinamente da classe média carioca, Gal e o então Caetano Velloso trouxeram a calma melodia à paisagem da Bahia.

Mas sabemos que o álbum Domingo foi apenas um começo, um simples começo se considerarmos o que viria depois: a Tropicália. Tropicália está um pouco na moda agora, ganhou documentário, documentário muito bem feito. Mas não vamos falar sobre o movimento, vamos nos lembrar apenas como a música brasileira estava se desenhando, se consolidando de uma determinada maneira, mas então tiveram aquela ideia, um pouco antropofágica: trazer a guitarra para o Brasil, e não só trazê-la, mas torná-la brasileira.

Vapor Barato gravada com guitarras é uma música difícil de esquecer, embora seja mais conhecida a versão acústica. Mas fico a pensar em quem, depois do álbum de 1967, imaginaria que a voz doce de Coração Vagabundo cantaria aos gritos sobre indecisões tão comuns da vida.

Mudanças são assim: há quem pense que é trair o movimento, esquecer o passado e comer no prato que cuspiu. Acho que mudanças que são classificadas desta forma são as não pensadas, não estruturadas. Porque, como já dito, nem sempre mudanças é começar de novo. Às vezes, é atribuir novos valores. Outro dia me disseram que Gal se vendeu, virou musa e agora canta qualquer coisa. Não entendi muito bem, entendo a parte do virou musa. É verdade que não gosto de Sua estupidez, música de Roberto Carlos que ela gravou, e também não gosto daqueles vídeos do Fantástico da década de 80, mas entendo que uma carreira longa não dá para ser Tropicália a vida toda.

E, se por um lado, Gal se vendeu, imagine Caetano que depois de Baby escreveu Odeio. Mas, não sei dizer como, ele conseguiu este certificado: o de poder mudar, e grande parte do público compreender – e apoiar. Acho que conseguiu isso porque não esquece de nossa cultura ao mesmo tempo que não fecha os olhos para o que acontece no mundo. Porque, fala sério, depois de velho, o homem começou a usar jaqueta jeans surrada e virou cantor de rockzinho .

E depois de tantas composições e de tantas variações, Caetano e Gal, em 2011, fizeram outro álbum em parceria. Se fossem uma banda americana teria grandes chances de ser uma coletânea. Mas ainda bem que há gente com coragem e criatividade, e o  novo CD são de inéditas, e ainda trocaram a sonoridade brasileira por música eletrônica e nem por isso sem identificação com nosso povo.

O álbum Recanto pode ser bom, ou ruim. Isso depende de quem ouve. Mas fica registrado mais uma vez a reinvenção, e mais do que isso, o prazer em produzir e compartilhar. Gal e Caetano são exemplos da boa experimentação.

Começar, mas não do zero e somar elementos. Isso, por acaso, me lembra o Folha Neurose.