Começar pode ser mais complicado
do que terminar, mas creio que seja bem mais prazeroso. Começar nem sempre é do
zero, às vezes é inovar, ou reinventar.
E se é para falar em reinventar
não me vem à cabeça outros nomes a não ser Gal Costa e Caetano Veloso. A
estreia dos dois, em 1967, já foi reinvenção, uma vez que se a Bossa Nova era
genuinamente da classe média carioca, Gal e o então Caetano Velloso trouxeram a
calma melodia à paisagem da Bahia.
Mas sabemos que o álbum Domingo foi apenas um começo, um simples
começo se considerarmos o que viria depois: a Tropicália. Tropicália está um
pouco na moda agora, ganhou documentário, documentário muito bem feito. Mas não
vamos falar sobre o movimento, vamos nos lembrar apenas como a música
brasileira estava se desenhando, se consolidando de uma determinada maneira,
mas então tiveram aquela ideia, um pouco antropofágica: trazer a guitarra para
o Brasil, e não só trazê-la, mas torná-la brasileira.
Vapor Barato gravada com guitarras é uma música difícil de esquecer,
embora seja mais conhecida a versão acústica. Mas fico a pensar em quem, depois
do álbum de 1967, imaginaria que a voz doce de Coração Vagabundo cantaria aos gritos sobre indecisões tão comuns
da vida.
Mudanças são assim: há quem pense
que é trair o movimento, esquecer o passado e comer no prato que cuspiu. Acho
que mudanças que são classificadas desta forma são as não pensadas, não
estruturadas. Porque, como já dito, nem sempre mudanças é começar de novo. Às
vezes, é atribuir novos valores. Outro dia me disseram que Gal se vendeu, virou
musa e agora canta qualquer coisa. Não entendi muito bem, entendo a parte do
virou musa. É verdade que não gosto de Sua estupidez, música de Roberto Carlos que ela gravou, e também não gosto
daqueles vídeos do Fantástico da década de 80, mas entendo que uma carreira
longa não dá para ser Tropicália a vida toda.
E, se por um lado, Gal se vendeu,
imagine Caetano que depois de Baby
escreveu Odeio. Mas, não sei dizer
como, ele conseguiu este certificado: o de poder mudar, e grande parte do
público compreender – e apoiar. Acho que conseguiu isso porque não esquece de
nossa cultura ao mesmo tempo que não fecha os olhos para o que acontece no
mundo. Porque, fala sério, depois de velho, o homem começou a usar jaqueta
jeans surrada e virou cantor de rockzinho .
E depois de tantas composições e
de tantas variações, Caetano e Gal, em 2011, fizeram outro álbum em parceria.
Se fossem uma banda americana teria grandes chances de ser uma coletânea. Mas
ainda bem que há gente com coragem e criatividade, e o novo CD são de inéditas, e ainda trocaram a
sonoridade brasileira por música eletrônica e nem por isso sem identificação
com nosso povo.
O álbum Recanto pode ser bom, ou ruim. Isso depende de quem ouve. Mas fica
registrado mais uma vez a reinvenção, e mais do que isso, o prazer em produzir
e compartilhar. Gal e Caetano são exemplos da boa experimentação.
Começar, mas não do zero e somar
elementos. Isso, por acaso, me lembra o Folha Neurose.